2007-05-17

O livro no Jornal de Notícias

JN de 4ª feira 2007-05-16:


Raimundo Narciso, ex-dirigente, revela episódios da luta que a Terceira Via travou


Paulo Martins

O PCP espiou, na década de 80, dirigentes que entraram em ruptura com a direcção, assegura Raimundo Narciso, ex- membro do Comité Central, expulso em 1991, no livro “Alvaro Cunhal e a dissidência da Terceira Via”, que amanhã será apresentado em Lisboa.
O autor descreve a sua própria experiência. Em 1988, nas vésperas do XII congresso, foi seguido por um automóvel do partido, quando se dirigia a uma reunião em casa de Joaquim Pina Moura, que servia de “quartel-general” do grupo . Álvaro Cunha], confrontado directamente, não desmentiu a “vigilância”, que só ele e Octávio Pato, dirigente também já falecido, poderiam ter ordenado. A sua reacção, em tom crispado, foi, porém, muito significativa. Falou na “campanha insidiosa” e no “ataque brutal” de que o PCP estava a ser alvo, concluindo com uma pergunta: “Achas que o partido não deve fazer o que for necessário para se defender?”

A obra, editada pela Âmbar, revela episódios menos conhecidos de um dos períodos mais conturbados da história do PCP marcado pelos ecos políticos da “Perestroika”, que Mikhail Gorbachov empreendera e haverá de conduzir à dissolução da União Soviética. O grupo que ficaria conhecido como Terceira Via — Raimundo Narciso, Pina Moura, José Luís Judas, António Graça. Vítor Neto, Fernando Castro e Barros Moura — acreditava na possibilidade de mudar o partido ‘por dentro”, tanto mais que quase todos eram membros do Comité Central (CC). Narciso assume que a táctica adoptada consistia numa demarcação face a outros “críticos”, como o “Grupo dos Seis”, de Vital Moreira e Veiga de Oliveira, que privilegiava uma intervenção mais mediática, e Zita Seabra.

O papel de Álvaro Cunhal no combate à contestação interna— travado sobretudo nas reuniões do CC, no que à Terceira Via diz respeito ganha contornos mais definidos. O antigo membro da ARA, organização criada pelo PCP para cometer. Atentados contra o Estado Novo revela a forma como Cunhal, numa tentativa de estancar as movimentações, tomou a iniciativa de apresentar o documento “Democracia avançada no limiar do século XXI”, que se traduzia numa revi são do programa do partido, reclamada pelo grupo.

No processo que culminou no afastamento de Zita Seabra, actual deputada do PSD, o líder comunista assumiu posições que hoje podem causar surpresa. Numa reunião em que a então dirigente estava sob fogo, alguém a apodou de “cobarde”. Cunhal interrompeu de imediato: “Olhe que não, camarada. Ela é é corajosa”. E impediu a aplicação a Zi ta da pena de suspensão temporária, fazendo aprovar apenas a saída da Comissão Política.

Álvaro Cunhal procurou, em conversas privadas, convencer alguns membros da Terceira -Via de desistirem da estratégia de confrontação. A Raimundo Narciso, acusou-o de se “movimentar nas margens de uma nebulosa onde se infiltra o inimigo”. O destino dos “críticos”, estava, assim, traçado. Pina Moura foi o único a permanecer no Comité Central após o congresso de Dezembro de 1988, no Porto — no qual José Luís Judas, então um destacado dirigente da CGT propôs publicamente a eleição do CC por voto secreto.

O golpe conservador de Agosto de 1991 em Moscovo, apoiado pelo PC desfez todas as ilusões dos “críticos”. Dezenas de militantes participaram no final desse mês numa reunião no hotel Roma, em Lisboa, de desafio aberto à linha oficial. Em Novembro, três dos promotores do encontro — Narciso, Barros Moura e Mário Lino, hoje ministro das Obras Públicas, que apresenta a obra — foram expulsos do partido. O quarto, José Luís Judas, saiu pelo seu pé.

Revelações

PCF ”infiltrou
militantes no PRD

Com o objectivo de complicar a vida ao PS, o PCP destacou militantes, desconhecidos como comunistas, para integrarem o PRD. A estratégia ruiu em 1987 após o retumbante resultado obtido dois anos antes, o partido criado Ramalho Eanes desapareceu na voragem da primeira maioria absoluta de Cavaco.

“Desafinação” no CC
em Outubro de 1987

A primeira grande confrontação no Comité Central após o 25 de Abril ocorreu na reunião de l3 de Outubrode 1987. Pretexto: o adiamento do congresso, previsto para esse ano; de ressaca da vitória do PSD. António Graça abriu as hostilidades secundado por Vítor Neto, Pina Moura, Narciso e Judas, que reclamou a substituição do método de braço no ar pelo voto secreto, na eleição dos órgãos do partido.

Sobe-desce ao CC
antes do congresso

A lista do Comité Central apresentada no congresso de 1988 sofreu alterações na véspera. À excepção de Pina Moura, os “críticos” saíram. João Amaral futuro dissidente, cujo nome não constava, subiu a suplente, depois de informar que, se não servia para o CC, também não continuaria como deputado. Ruben de Carvalho interpretou a posição de suplente como desagrado da direcção face ao seu envolvimento na organização da Festa do Avante!”. Acabou efectivo.

Sem comentários: