2007-05-09

EXPRESSO actual de 2007-05-05 (2)

Entrevista ao autor do livro conduzida pelo jornalista José Pedro Castanheira (extractos):
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José Pedro Castanheira: O seu livro reporta-se a acontecimentos de há quase 20 anos. Porque decidiu esperar tanto tempo até à sua publicação? Não posso deixar de comentar que só foi publicado após a morte de Álvaro Cunhal...
Raimundo Narciso: Estas memórias pretendem ser um contributo para o conhecimento da natureza e da história do PCP e não um documento de intervenção na sua orientação política, o que, desde a minha saída do PCP, seria deslocado. Por isso pretendi que a sua publicação beneficiasse do distanciamento no tempo.
A decisão de publicar o livro foi tomada pouco tempo antes de Álvaro Cunhal falecer. Entretanto, com o seu falecimento, pareceu-me adequado esperar algum tempo.
JPC - Há um aspecto (pelo menos) da vida de Álvaro Cunhal que fica ainda por conhecer: as actividades de um "organismo por ele dirigido" durante o período revolucionário de 1974 e 1975. Quais eram as actividades desse organismo não existente nos estatutos do partido? Tem certamente notas sobre essa época...
RN - Refere-se ao que na comunicação social já foi designado por comité militar. De 25 de Abril de 1974 até 25 de Novembro de 1975 um dos principais terrenos de luta política era o das Forças Armadas, através do MFA (Movimento das Forças Armadas) cuja influência os partidos disputavam. O PCP que prestava particular importância à sua influência e organização nas forças armadas desde os anos 30 do século passado naturalmente que adaptou as estruturas que já tinha e criou outras para esse trabalho decisivo na revolução. O secretário-geral não podia deixar de dirigir o organismo que desenvolvia essa actividade e de que fiz parte. Era um organismo de coordenação com grande importância política no período revolucionário e até à consolidação do regime democrático. O organismo não tinha nome e sem nome nem sequer "existia".
JPC - Diz que o PCP, à data de 25 de Abril, teria apenas uns escassos dois mil militantes. Creio que é um elemento até agora desconhecido. Em que se baseia para avançar esse número, aparentemente tão reduzido?
RN - Trata-se de uma avaliação subjectiva. Na realidade disponho apenas de opiniões que trocava com outros dirigentes do partido. Seguramente que o secretariado do PCP teria dados mais seguros mas, no ambiente de grande repressão e fluidez da organização sob os golpes da PIDE /DGS que precederam o derrubamento do regime não podia haver uma contabilidade rigorosa. 2000 militantes mais ou menos ligados e organizados não era assim tão pouco na situação em que se vivia.
JPC - Outra novidade é o papel do PCP na criação do PRD. Diz que o PCP «foi ao ponto de destacar simpatizantes e militantes para ajudarem a organizar o PRD e mesmo a integrarem-no». Está a falar de quem? E isso foi decidido em que órgão do PCP?
RN: Decisões com este melindre não constam em actas. Decorrem da aprovação de orientações políticas gerais. A prática é algo que se organiza com designações benignas nas ordens de trabalho.
O que é conhecido e público é a grande campanha política das intervenções de Álvaro Cunhal, que precedeu a criação do "partido de Eanes", sobre o vazio à esquerda criado pela suposta "política de direita do PS" e cuja ocupação pelo PCP não estava manifestamente ao seu alcance.
Fazer o possível para "ajudar" a criar tal partido, que ademais tinha como objectivo diminuir o PS, o inimigo de estimação do PCP, era "levar a teoria à prática".
Para criar um partido em pouco tempo de modo a conseguir como conseguiu 18% do eleitorado, sem diminuição do mérito dos seus autores, é óbvio que nenhuma ajuda era demais.
JPC - Ajuda semelhante foi dada aos Verdes. E ao MDP? E à Intervenção Democrática? Todos partidos satélites do PCP...
RN: Não eram situações semelhantes. Ao PRD o PCP ofereceu durante meses uma avaliação da situação política que constituía um forte incentivo à sua criação. Terá seguramente incentivado directamente pessoas que seriam influentes na sua criação e depois, no seu levantamento procurou ajudar.
É muito diferente do que se passou com o MDP, os Verdes e a Intervenção Democrática. É minha convicção e ela corresponde à convicção pública geral de que estes partidos foram concebidos e criados do princípio ao fim pelo PCP com militantes ou simpatizantes seus da máxima confiança, capazes de guardar o segredo! ainda que depois a eles tenham aderido pessoas estranhas ao PCP e que eventualmente nem soubessem da sua génese. Como é sabido o de,Como é sabido o PCP não conseguiu sempre manter a fidelidade de todos os seus dirigentes. O MDP tem uma origem diferente e um fim diferente. O MDP era um movimento político do tempo da ditadura,
hegemonizado e controlado pelo PCP ainda que com participação de muitos anti-fascistas verdadeiramente independentes.
Depois do 25 de Abril e quando se transformou em partido a presença e influência do PCP continuou a ser grande mas posteriormente o MDP conseguiu libertar-se da tutela do PCP.
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JPC - No livro, não identifica muitas das pessoas a que se refere. Mas não hesita em identificar — e até criticar — algumas outras. Porquê esta diferença de critérios?
RN - A identificação de pessoas - de dirigentes - é feita na estrita medida do interesse político em caracterizar um partido tão importante na vida nacional do século XX, como foi o PCP. A identificação das pessoas é resguardada nos casos em que o conhecimento da situação me pareceu ter interesse mas a identidade dos protagonistas ser irrelevante.
JPC - Mas afinal quem era a sua amiga L, que fez «um último esforço» para o salvar? E R, o segurança que o seguiu pelas ruas de Lisboa, a mando de Octávio Pato e Cunhal? E M, que foi humilhado na eleição para o Comité Central?
RN - Pois esses são exactamente os casos em que o conhecimento da identidade, por não ter significativa valia política, foi preservado.
JPC - Octávio Pato é, talvez, o dirigente comunista que você mais "mal trata". Quer explicar porquê?
RN - No livro apenas tento apresentar um retrato crítico do que se passou. Se nele Octávio Pato fica mal na "fotografia" não é por qualquer parti pris contra ele mas, na minha falível opinião, pela qualidade da sua prestação.
JPC - Ao longo do livro, fica-se com a ideia que Carlos Carvalhas também poderia ter sido um dos dissidentes. Como explica o percurso ambíguo do ex-secretário-geral?
RN - Carlos Carvalhas dava por vezes a impressão que ia para um lado mas afinal ia para o outro. Não admira que em 1998, já nas funções de secretário-geral há 6 anos, tenha iludido alguns dos seus colegas da comissão política e futuros "renovadores", quando aprovou o "novo impulso" uma orientação reformadora quase imperceptível mas que mesmo assim suscitou a rebelião vigorosa da linha ortodoxa, que teve o apoio activo de Álvaro Cunhal, apesar de já retirado. Carlos Carvalhas abandonou o "novo impulso" e quantos o tinham apoiado e acomodou-se à linha dura.
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JPC - Afinal quem é o intelectual a que se refere na pág. 93, que "esteve no início de todas as dissidência mas não acompanhou nenhuma até ao fim"? Repare que a sua não identificação deixa pairar a suspeita sobre vários...
RN - Compreendo o interesse jornalístico de tal pergunta. Eu próprio também me sinto atraído pelo esclarecimento. Mas, lamentavelmente, reconheço que não o devo fazer.

1 comentário:

JVC disse...

Sobre a independentização do MDP, de que fui depois dirigente, eu também já fora do PCP desde há alguns anos, é justo lembrar que, embora ela só tenha sido possível pelo número e influência de dirigentes que nunca tinham pertencido ao PCP, dois dos seus principais e decisivos motores eram comunistas muito activos durnte o salazarismo: José Manuel Tengarrinha e Mário Casquilho. Isto só mostra o significado da sua rotura da APU.

Sobre o "sector militar", talvez ainda escreva, mas vou pensar. Para já, só aponto uma ironia. Como eu estava a causar alguma perturbação na direcção do sector intelectual (mas não sou o tal intelectual de que fala o Raimundo, embora saiba a quem ele se refere) fui transferido para um sector de bons costumes partidários, educativo, casa de correcção interna, o militar. Foi o que, afinal, causou a rotura final, em 1980.

NB - falar do sector militar não significa obrigatoriamente que houvese militares membros do PCP, o que seria ilegal. Quanto a isto, não afirmo nem desminto.