2007-05-21

No Diário de Notícias de 2007-05-19

AS PESSOAS mais ou menos atentas à vida política já adivinhavam que o Partido Comunista Português era assim. A monumental biografia de Álvaro Cunhal que José Pacheco Pereira vai publicando ainda não deixa margens para grandes dúvidas. Livros estrangeiros sobre a URSS, como ‘No País da Mentira Desconcertante’, do croata Ante Ciliga, também não. Agora, com este ‘Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via’, de Raimundo Narciso, o leitor dispõe de uma perspectiva privilegiada para ver em acção o falecido secretário-geral do PCP controlando consciências e delineando a táctica e a estratégia do movimento comunista em Portugal. Raimundo Narciso não era um comunista qualquer. Passado à clandestinidade em Agosto de 1964, quando era estudante do Instituto Superior Técnico, tornou-se funcionário do PCP. Integrou o comité central, de 1972 a 1988. Foi um dos criadores da ARA, Acção Revolucionária Armada (sobre este tema escreveu um excelente livro, ‘ARA— A História Secreta do Braço Armado do PCP’,, ed. Dom Quixote). Foi expulso do Partido Comunista em 1991 e eleito deputado à Assembleia da República em 1995, como membro da Plataforma de Esquerda, mas integrando as listas do PS, partido no qual ingressou em 1999. A cisão de Raimundo Narciso com o seu, até então, partido de sempre não foi abrupta, mas lenta e evolutiva. A irrupção da perestroika na URSS de Gorbachov marcou a viragem na consciência política de Narciso e outros camaradas seus — sempre minoritários na organização— que quiseram refundar o PCP. O que provocou angústia na direcção partidária. Cunhal tentou, sempre charmoso, trazer pacificamente as ovelhas negras para o redil da ortodoxia. Mas outros dirigentes não tiveram tanta elegância. Octávio Pato, com a sua proverbial brutalidade, mandou seguir Narciso pelos serviços de segurança do partido. Estes retratos da nomenclatura partidária são um dos interesses da obra. È pena, porém, que nem todos os intervenientes na polémica sejam identificados, permanecendo anónimas muitas citações entre aspas. Uma informação inédita e saborosa — e exemplar do maquiavelismo de Cunhal — é a do papel desempenhado pelo PCP na formação do Partido Renovador Democrático, do general Ramalho Eanes. Tudo para destruir o PS. Livro utilíssimo.
Álvaro Cunhal e a Dissidência da Terceira Via
Raimundo Narciso
>género : Memórias
>Editora Âmbar
> *****

1 comentário:

odete pinto disse...

Pergunto-me porque é que ainda tantos portugueses com formação académica superior, cultura e, suponho, discernimento e lucidez, continuam num partido destes - que diferença há entre um controleiro e um antigo 'bufo' da Pide?

Em toda a Europa, comunistas e votantes comunistas são uma "espécie em via de extinção". Por aqui a lucidez (a falta dela) ainda não é assim.

Gostava muito de saber se existe algum estudo ou publicação sobre a influência altamente nefasta dos 'aparatchiks'(?) na grande máquina da educação em Portugal.